Assembleia
Um corpo que se ultrapassa. Um corpo que é uma multidão.
Aqui não somos só nós, mesmo quando defendemos uma causa nossa.
Esta assembleia, na cozinha da casa dos pais, no hall de entrada do prédio, no palacete comprado pelo município, no convento comprado pelo estado, no descampado entre os nossos colegas; aqui, só nós os dois, ou fora daqui, num lugar distante em que do teu lugar de origem só existes tu. Nenhum corpo está isento da ação da arquitetura, e aqui, mesmo que a arquitetura seja a disposição dos corpos, aqui um corpo ultrapassa-se, multiplica-se em significados. Mesmo quando não fala. Talvez ainda mais quando não fala.

Juntam-se duas pessoas, e a assembleia está montada. Eu, tu, todos os nossos tempos, todas as suas tensões.
Quando sabes. Quando viste. Quando foste testemunha. Quando, não participando, és quem pode descrever. Quando representas a situação. Quando és um símbolo. Quando todos dependem de ti para saber o que era, o que se passou, como foi. Quando tens de denunciar ou defender.
Duvidas. Naturalmente, duvidas do valor que tem o teu olhar; da ação que provocas sobre o lugar. É, afinal, porque duvidas que aqui estás. Mas ninguém o espera, ninguém o reconhece. Este não é o lugar para dúvidas.

E é tão fácil fingir que se sabe. Tão fácil contar a história de todos os dias, sem contar a história de dia algum. É tão fácil fingir a assembleia.
A maior parte das vezes, o corpo não se ultrapassa, o coração não é maior. A maior parte das vezes, é só gente.
A maior parte das vezes, a assembleia é uma ficção.

Criações Gráficas
Memória Descritiva de Margarida Reis Pereira
Este trabalho pretende evocar uma reflexão sobre a natureza da assembleia como espaço, corpo e ilusão coletiva.
As três imagens retratam estes três tempos.
O poder da arquitetura e da construção do espaço. Vazio. Transcendente à sua função, e capaz de ser um palco desencadeador de reunião e debate.
O corpo em si mesmo, uma entidade viva e ambivalente no seu papel participativo ou de observador.
A ideia de ficção associada aos aspetos menos tangíveis de uma assembleia. Gerada pela interação dos corpos com os espaços, revelando a multiplicidade de significados que permeiam essa interação.