Palco
Um homem senta-se numa cadeira, o que é que ele vê?

A pergunta foi feita por Le Corbusier a um conjunto de estudantes de Arquitetura. Perdi o livro, mas a pergunta guardei-a para todas as circunstâncias em que sou convocado a pensar sobre escala. Penso na altura do teto, na distância que separa as paredes, na textura do chão. Penso em como se pode uma pessoa sentir em paz com as proporções do que a rodeia. Penso em como não me sentir esmagado ou desamparado pela sala em que estou sentado e abro os olhos.


Depois há a pergunta: cem homens sentam-se em cadeiras. O que é que eles vêm? Para onde olham? Porque estão ali?
Qualquer arquitetura nos influencia. E esta foca-nos o olhar. Estão cem homens sentados, alinhados, a olhar para o mesmo lugar. Será possível resistir a este fluxo, ou contrariar a tendência que a sala nos inspira? Podemos olhar para outro lugar que não seja o ponto de fuga desta sala?

E quando estamos no centro desse foco, quando não temos por onde escapar. Quem estudou algum dia o que nos faz o olhar dos outros?
Como qualquer força real, o olhar que nos empurra ou queima ou faz levitar. Este lugar onde os olhares se concentram, um lugar carregado pelos olhares de cem homens que se sentaram em cadeiras. O que é que eles vêem?
Que transformação provoca no lugar haver duzentos olhos, cem atenções, sobre o mesmo ponto de fuga. Como raios de sol concentrados num ponto por intermédio de uma lupa.

É o palco. Este lugar incandescente, fazedor de reis e de réus.
Aqui, no centro do ponto de fuga, visto por duzentos olhos, cem atenções, como poderei ser outra coisa que não eu mesmo? Serei capaz de mentir?
O palco, no centro do ponto de fuga, é o lugar onde o mais pequeno gesto é visível. A mentira. O mais pequeno gesto é visível – mas será visível?

Quando perguntamos o que vê um homem que se senta numa cadeira, falamos de escala. Quando perguntamos o que vêem cem homens que se sentam em cadeiras voltados para o mesmo lugar, falamos de perceção.
Quando todos olhamos para o mesmo ponto, é a partir da nossa mundividência que vemos. Pouco importa a arquitetura, a não ser para nos focar o olhar, pouco importa a cor das paredes, o edifício é outro: um edifício de mundividências, de diferentes perspetivas, de enviesamentos.

No palco, a mentira é visível. Duzentos olhos, cem atenções. Alguém a vê.
E então pergunta o que significa, porque o olhar de cem pessoas está neste lugar, um lugar que não compreende segredo a não ser pela metáfora.

Um lugar de exposição, onde uma ideia é mentira e verdade ao mesmo tempo.
Um lugar onde não aprendemos diretamente, mas pelo que pensamos sobre o que vemos.
Um lugar de que não nos lembramos, mas que não nos abandona.


Criações Gráficas
Memória Descritiva de Liliana Bernardo
Confrontada com o tema “Palco”, comecei por procurar fotografias de produções teatrais, palcos, cenários e expressões faciais tanto dos atores como do público. Daí, desenvolvi uma serie de esboços em aguarela e grafite, explorando diferentes ângulos de visão ao ilustrar a dinâmica que existe entre olhares e os diferentes pontos de fuga de quem está no palco e de quem o observa.
Há pergunta: “Um homem senta-se numa cadeira, o que é que ele vê?” procurei responder com a dança de olhares que invisivelmente existe, manchas, olhos, expressões mais ou menos difusas e por outro lado um ponto de fuga onde convergem as linhas de percetíveis a partir do palco em direção ao público.