Espaço Público
Não se constrói uma casa em qualquer lugar. A construção de uma casa é uma subtração. A demarcação de um limite. Quando julgamos que a construção acrescenta, podemos procurar reconhecer o negativo dos prédios, dos terrenos, das ruas, das praias privadas. Quando o fazemos, ele aí está: o espaço público. Saímos de casa e aqui estamos.
E será que saímos para o espaço público, ou reentramos nele? Crescemos a pensar no espaço público como o exterior, e no espaço privado como interior. Que é no interior que encontramos conforto e proteção, em lugares higiénicos, onde o que nos chega tem de cruzar uma fronteira bem ou mal construída por nós – ou alguém em lugar de nós, mas que nos serve. No espaço privado só entra a poeira que deixamos, a natureza que permitimos, as ideias que aceitamos. O espaço privado é um espaço enviesado, incompleto, o pormenor de uma paisagem maior.

Como o pensamento precede a ação, o espaço público precede o espaço privado e influencia-o. O nosso esforço para o expulsar é a definição da nossa intimidade: os estores fechados, as portas trancadas, a escuridão.
O espaço público não tem identidade, é talvez o lugar de onde as consciências brotam. Nascendo no espaço público, as diferentes interpretações do mundo espalham-se em esferas menores, em lugares onde nunca alcançam a perfeição que têm quando estão assim: livres e completas, estranhas, complexas redes de sinais e ideias que se completam e contradizem simultaneamente.

No espaço público moram as ideias perfeitas, ainda antes de podadas pela inteligência dos seres humanos. Se não houvesse espaço privado não haveria espaço público, haveria o mundo, um pedaço de terra como espaço sideral ou superfície oceânica, livre de definições e leis – e talvez por isso, sem precisar de qualquer tipo de manutenção. Porque o espaço público é a morada das ideias perfeitas, pedras preciosas por polir, ervas daninhas, flores silvestres. O pensamento humano acontece na soleira da porta: alguém que se mete a olhar para o mundo, desde a moldura da entrada no seu espaço privado, e pensa isto é assim por oposição a outra coisa.
E começa, na tensão entre o espaço público e o privado, a nascer a consciência humana de uma missão coletiva.

Criações Gráficas
Memória Descritiva de Susa Monteiro
Três ilustrações digitais, onde procuro a relação da representação da figura humana com formas arquitetónicas fora do seu contexto natural. Usando o branco como espaço negativo e contendo a ação ou a cor aos espaços que estariam na realidade vazios.