Texto: Sara Figueiredo Costa

Criações Gráficas: Nuno Rodrigues

Na origem, o valor também era a força, física, musculada, inevitavelmente masculina, porque esse era o modelo de todas as coisas. Não espanta que a ideia de riqueza material associada ao valor tenha essa relação com a força; afinal, riqueza e poder de dominar andaram sempre de mãos dadas.

Quanto vale um monumento, um objecto, um testemunho que dizemos não ter preço? Quadros famosos compram-se e vendem-se (às vezes, roubam-se) e alguém lhes determina um valor. Quem pode, paga, depois logo se decide se o objecto comprado fica disponível para o usufruto comunitário ou se passa a ser de apreciação exclusiva de quem o pagou.

Outras ideias de valor atravessam o património a que chamamos cultural. Um monumento como a pirâmide de Gizé não está à venda, mas o seu valor existe, mesmo que o classifiquemos como incomensurável. É provável que o valor seja essa dialética entre um número fixado por alguém e um outro número, talvez infinito, que nunca será alcançável.

Quando Van Gogh tinha a sorte de vender algum dos seus quadros, o que recebia em troca não chegava para pagar as contas. Um século e pouco depois, não há muita gente no mundo que possa comprar uma dessas obras, por muito que queira. Os quadros são os mesmos, apenas com um pouco mais de pó e patine (duas coisas que não se vendem).

Dizem os linguistas que uma língua é um dialecto munido de exército, bandeira e governo. Valor acrescentado, portanto, o pecuniário, o do poder e o da força física. É possível que certas obras a que chamamos artesanato tenham com as obras de arte uma relação semelhante.

O valor pecuniário e valor patrimonial quase nunca se encontram. Uma peça de Rosa Ramalho compra-se nos antiquários por algumas centenas de euros. É muito mais do que o valor a que a artesã a vendeu, depois de lhe dar forma. É muito menos do que aquilo que colectivamente herdámos das mãos sujas de barro dessa mulher de Barcelos.

Quanto valem os Jardins Suspensos de Babilónia, uma das 7 Maravilhas do Mundo Antigo? Se soubermos que o mais provável é esses jardins nunca terem existido, quanto valem? E valerão mais pelo facto de nunca, em caso algum, poderem ser comprados?

O valor de Dom Quixote é o da primeira edição, de 1605, guardada na Biblioteca Nacional de España e não disponível para venda, ou é o do texto? Ainda que pudéssemos comprar essa primeira edição, nunca seríamos proprietários de Dom Quixote. O seu valor é incomensurável, nenhum pecúlio o compraria e a sua propriedade é universal. Possuímo-lo e não o comprámos.

O valor também é um fetiche (que na origem era feitiço). Podemos comprar um vinil dos Beatles em primeira edição e pagar por ele milhares de euros e podemos comprar o mesmo vinil acabado de reeditar, certamente com as estrias em melhor estado, e gastar apenas uma nota de 20. A diferença não compra mais canções ou outra capa, mas talvez compre uma ideia de exclusividade e a ilusão de um regresso a um tempo que já foi. Essa ideia e essa ilusão coleccionam-se, arrumam-se em armários especiais e protegidos do pó e valem balúrdios.

Longe do vil metal, o valor são as qualidades que merecem admiração e essas são coisas disformes, impossíveis de conter, agarrar ou definir sem enganos. Eruditos e vernaculares, altos e baixos, em latim e em línguas romances, tudo oposições produtivas para o pensamento, mas facilmente transformadas em fumo. Não é preciso invocar os apocalípticos e os integrados de Umberto Eco para ter a certeza de que fronteiras e classificações não são imutáveis (o que é diferente, muito diferente, de assumir que tudo é relativo, sempre e em toda a parte, desculpa de mau pagador para quando não se quer discutir).

Criações Gráficas

Memória Descritiva de Nuno Rodrigues

O valor patrimonial e o valor pecuniário nem sempre se encontram, mas o valor cultural é uma questão de apreciação e significado histórico, que pode mudar ao longo do tempo.

© 2024 · Projecto Património / Memória Comum – Associação